domingo, 23 de junho de 2013

E o VLT?


O governo federal libera bilhões de reais em verbas para a viabilização de projetos de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) para cidades brasileiras que tenham seus estudos sobre o assunto em fase de conclusão. Esta noticia é muito boa, pois surge num momento em que o modelo de transporte público nas grandes cidades brasileiras começa a dar sinais de esgotamento. O transporte público em São Paulo nunca foi tão mal avaliado há décadas. Protestos violentos sobre o alto preço das passagens e a péssima qualidade dos serviços de transporte se instalam e produzem centenas de vítimas nas grandes cidades.

Some-se ao fato que realmente os transportes públicos estão muito abaixo da crítica o fato que a polícia em nosso país é totalmente despreparada para coibir manifestações violentas. Aqui atiram primeiro e perguntam depois. Transporte público se faz com planejamento e com décadas de antecedência. Nossa cidade deveria ter grupos de trabalho pensando como será feito o transporte urbano quando a população dobrar de tamanho. Que passos serão dados para se chegar a um sistema de qualidade e viável financeiramente?

Um amigo disse que em Uberlândia, uma funcionária de um Shopping que sai do trabalho e pega ônibus tarde da noite em final de expediente e mora a 6,2 quilômetros do trabalho, demora cerca de uma hora e quarenta minutos para chegar a casa. Ora uma pessoa caminhando normalmente caminha um quilometro em dez minutos, a velocidade de cem metros por minuto. Se fosse caminhando para casa esta pessoa levaria sessenta e dois minutos para voltar para casa. De ônibus ela viaja a uma velocidade de sessenta e dois metros por minuto, muito menor do que uma pessoa normal caminhando.

Se viajando de ônibus o veiculo viaja a uma velocidade menor do que uma pessoa caminhando, isso indica que algo vai mal em nosso sistema de transporte público que precisa ser urgentemente reestudado e melhorado. De última hora não se faz nada veja o projeto VLT de Brasília que por açodamento e suspeitas de problemas na licitação foi retirado do portfólio de obras listadas para ficares prontas para a copa de 2014. O GDF desistiu, as obras já estão paralisadas, e vai inclui-la nas obras listadas no PAC – Plano de Aceleração do Crescimento.

Mais uma vez o transporte público é vítima de manobras pouco recomendáveis para assaltar o bolso do contribuinte. Não é sem razão que acontecem nas principais cidades do país sinais de cansaço com tanto pouco caso com nossos trabalhadores. Se gasta muito dinheiro com obras para eventos internacionais enquanto hospitais continuam superlotados, mal aparelhados e com médicos se recusando a trabalhar com equipamentos tão obsoletos que beiram o ridículo, e sistemas de ônibus tão antiquados que merecem ser totalmente revistos. A policia mal aparelhada para enfrentar ladrões, assassinos e malfeitores de todo tipo se mostra excelentemente aparelhada para enfrentar as já esperadas manifestações em face dos bilhões gastos para sediar eventos futebolísticos e depois uma olimpíada. O caso típico do dinheiro pago pro você na forma de impostos sendo usado contra você em forma de balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral.

Os protestos se espalham e o mote para convocação dos participantes na Internet faz um alerta aos políticos e diz a eles que o gigante acordou. Agora que o gigante acordou e exige melhor transporte público, onde está aquele projeto de VLT para a Uberlândia do futuro?

domingo, 16 de junho de 2013

Independência ou morte?


Tomamos como algo garantido - e nem refletimos - como é prazeroso ter um corpo sadio e a independência que esta saúde nos proporciona. Podemos praticar esportes e fazer qualquer atividade corporal sem nenhum problema. É bom refletirmos sobre esta nossa capacidade e, ao mesmo tempo, nos lembrarmos daqueles que vivem a expensas de uma máquina para sobreviver, às vezes com muitas limitações físicas.

Existe no Brasil hoje mais de 90.000 pacientes em tratamento por diálise. Como neste número não foram computados pacientes de algumas clínicas que só atendem particulares ou convênios médicos também particulares, é provável que haja mais de 100.000 pacientes nessa situação. Deste total, cerca de 80% são atendidos pelo SUS (Sistema Único da Saúde). (Alguns convênios médicos ‘dão um jeitinho’ de negar atendimento a seus cooperados, que acabam, quando precisam, sendo atendidos pelo SUS, inchando ainda mais o sistema público.)

As clínicas de diálise são regulamentadas por diversas portarias da ANVISA/Ministério da Saúde, sendo a mais importante a RDC 154, de junho de 2004. Esta portaria, ainda vigente, estabelece obrigatoriedades de fundo social, que oneram sobremaneira as clínicas, mesmo sem estarem diretamente ligadas à atividade das clínicas - e que não são compensadas financeiramente pelo SUS. Por exemplo:
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          - Até poucas semanas atrás, as clínicas eram obrigadas a fornecer suporte alimentar aos pacientes em diálise, sem nada receber por isto; recentemente, uma liminar judicial tirou esta obrigatoriedade das clínicas, por ser absurda. (No entanto, a maioria das clínicas contínua arcando com esta despesa extra por questões humanitárias.)

   - A RDC 154 sobrecarrega as clínicas com a responsabilidade de internação de seus pacientes e pelo seu transporte, quando necessário, para receberem o tratamento dialítico, quando estes não forem fornecidos pelo serviço público. Como quase sempre os serviços públicos estão sobrecarregados, com frequência o custo de internações, inclusive em UTIs, recai sobre a clínica!
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    - Medicamentos não padronizados pelo serviço público - e que são frequentemente necessários ao tratamento de pacientes renais - acabam ficando à custa das clínicas, já que o SUS não paga por eles.
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         - É preciso ressaltar que os equipamentos necessários para hemodiálise são importados, pois o Brasil não fabrica similares, assim como a maioria de seus insumos. E as clínicas de diálise, por serem particulares, não são beneficiadas com nenhum tipo de incentivo fiscal, seja para aquisição ou manutenção de equipamentos, mesmo prestando um  serviço de saúde pública, que deveria ser, evidentemente, da competência de hospitais públicos ou beneficentes. Mas, por causa da incapacidade de estes suprirem a demanda, repassam esta responsabilidade para clínicas privadas.
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      - A remuneração do SUS pelos serviços médicos prestados chega a ser ridícula em alguns casos e tem sido assim por mais de 20 anos; portanto, não é culpa exclusiva do governo atual, que apenas mantém o status quo. Os procedimentos, além de mal pagos, são às vezes repassados pelo SUS com atrasos que chegam a 90 (noventa) dias com certa frequência. Evidentemente, nunca são corrigidos monetariamente. Alguns exemplos da remuneração de serviços pelo SUS e de seus custos reais estão no quadro abaixo:
PROCEDIMENTO
REMUNERAÇÃO
SUS
CUSTO (médio)
Consulta médica
R$ 10,00 (dez reais)

Sessão de hemodiálise
R$ 179,03
R$ 140,00
Confecção de fístula AV
R$ 246,76
R$ 600,00
Implante cateter DL
R$ 158,81
R$ 180,00
Impl. cateter Permcath
R$ 539,90
R$ 1.400,00
Implante cateter PD
R$ 203,98
R$ 2.500,00
DPA – mensal
R$ 2.511,69
R$ 2.550,15
DPAC – mensal
R$ 1.960,44
R$ 1.915,15
...


     DPA = diálise peritoneal automática
DPAC = diálise peritoneal ambulatorial contínua

Considerando a remuneração acima, se uma clínica mantiver 20 pacientes em DPA + 20 pacientes em DPAC, seu lucro líquido ao fim de 1 mês será de exatos R$ 96,60 (noventa e seis reais e sessenta centavos). Isto se a clínica não pagar honorários aos médicos e enfermeiras que cuidam dos pacientes e sem levar em conta, ainda, o custo de medicamentos que são necessários no tratamento ambulatorial de complicações da diálise peritoneal, como peritonites bacterianas – e que, mais uma vez, não são compensados pelo SUS.

É bom filosofarmos um pouco sobre aqueles que vivem dependentes dos tratamentos periódicos da diálise. Circula a notícia de que estes pacientes passam por momentos de incerteza, uma vez que o dinheiro pago pelo SUS às clínicas é insuficiente para cobrir os custos operacionais – e, de fato, algumas clínicas já fecharam as portas e outras estão em situação pré-falimentar, por dívidas com fornecedores, com bancos e com a receita federal.  

Em fevereiro deste ano, depois de um atraso de cerca de 90 dias no pagamento pelo SUS às clínicas, houve uma manifestação em nível nacional de protesto, que resultou em uma reunião extraordinária no Ministério da Saúde (MS). Participaram da reunião o Coordenador de Média e Alta Complexidade do MS, o presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), da Associação Brasileira dos Serviços de Diálise e Transplante (ABCDT) e a coordenadora do foro nacional de nefrologia pela internet, Nefroforum, Dra. Carmen Tzanno Martins. Depois de muita argumentação, foi, a duras penas, concedido um aumento de 5% (cinco por cento) na remuneração do SUS para a hemodiálise, que passou de R$ 170,50 para R$ 179,03 a sessão. Foi um aumento irrisório, inferior, portanto, à inflação oficial de 2012, sendo que as remunerações dos procedimentos acessórios da hemodiálise (fístula, cateter etc.) e da diálise peritoneal permaneceram os mesmos. Mas, o Dr. Fogolin pediu aos participantes da reunião que tivessem paciência, pois “em junho próximo haveria um aumento significativo” de todos os procedimentos. O fato é que junho já chegou, não houve aumento nenhum e não se fala mais nisso! Mais uma promessa vã, infelizmente tão comum em coordenadores de postos chaves no governo.

O pagamento às clínicas sai do Fundo Nacional da Saúde, do Ministério da Saúde. Isto é, não pertence ao orçamento dos municípios. No entanto, o pagamento é depositado na conta bancária das prefeituras, quando o regime das mesmas é de gestão plena da saúde. Quando José Serra foi ministro da saúde, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi editada uma lei que obriga as prefeituras a repassar o dinheiro às clínicas no prazo máximo de 05 (cinco) dias úteis a partir do dia do depósito. No entanto, o que vem acontecendo na maioria das cidades é que o dinheiro fica retido ou é desviado para outros fins (mesmo sendo dinheiro ‘carimbado’ para as clínicas) por períodos que chegam, em casos extremos, a até 3 meses! É o que aconteceu recentemente em Ituiutaba, o que motivou paralisação da única clínica de diálise daquela cidade por 02 (dois) dias, o que teve repercussão na mídia nacional.  

Recentemente, o SUS tem encaminhado cartas aos pacientes em tratamento por hemodiálise revelando um valor que seria correspondente ao custeio de seu tratamento mensal nas clínicas. Com isto, pretende convencer os pacientes que as clínicas são muito bem remuneradas. Só que o valor que revelam corresponde a 03 (três) meses de tratamento – e não a 01 (um) mês apenas, como parece na correspondência. Trata-se de uma propaganda de baixíssimo nível, imoral, antiética e mentirosa; basta dividir o valor por 3 (três) para saber quanto as clínicas recebem por mês e por paciente em hemodiálise.

A vida do paciente renal crônico só é mantida se ele se submete a tratamento dialítico ou a transplante renal. Se, por um lado, é incômodo ficar 3 vezes por semana ligado a ua máquina para filtrar seu sangue para remover substâncias nocivas que intoxicam seu organismo pela falência dos rins, por outro lado é altamente confortador saber que este tratamento o mantém vivo e, muitas vezes, com capacidade laborativa. Daí o receio que ele, paciente renal, tem quando fica ciente da situação crítica de gestão financeira de muitas clínicas de diálise, situação esta que pode resultar em desativação por completo de sua atividade.

É preciso que as autoridades responsáveis pela saúde pública do Brasil levem, finalmente, a sério a situação caótica em que muitas clínicas de diálise dependentes do SUS se encontram. A interrupção da oferta desta modalidade de tratamento aos pacientes renais crônicos significa a condenação à morte de quase a totalidade deles em poucos dias ou semanas.  É absolutamente necessário que sejam corrigidas as distorções tanto da remuneração do SUS quanto do comportamento das prefeituras para com as clínicas de diálise com urgência – e a população espera que estas providências sejam tomadas JÁ.

Prof. José Roberto Camacho
UFU – Engenharia Elétrica
e.mail: jrcamacho@ufu.br

fone: 3239.4734