domingo, 30 de outubro de 2011

Voto no Cacareco?

O Cacareco foi o primeiro rinoceronte político ou político rinoceronte do Brasil, quiçá do mundo. A biografia deste mamífero perissodátilo é de fazer inveja a muito político profissional. Ele começou sua militância política quando em setembro de 1958 veio do Zoo do Rio de Janeiro para a inauguração do Zoo de São Paulo. O sucesso de sua visita foi tanto que ele inclusive foi impedido de voltar ao Rio de Janeiro, em São Paulo ele revelou seus pendores políticos e tornou-se o queridinho da população paulistana.

Isto porque Itaboraí Matos, um jornalista do jornal O Estado de São Paulo, em protesto devido ao baixo nível dos candidatos a cargos na Câmara Municipal de São Paulo, resolveu lançar a candidatura do animal nas eleições de 1959, sua sugestão foi o voto de protesto no animal que era o queridinho da cidade naqueles dias. A campanha do Cacareco foi um estrondoso sucesso e o rinoceronte recebeu mais de 100 mil votos nas eleições de 3 de outubro de 1959.

No rastro desta aclamação popular na época surgiram panfletos e músicas que retratam bem o fato que a política não se modifica em nosso país e que ela sofre das mesmas mazelas de 50 anos atrás. Veja por exemplo a letra da marcha “Cacareco” de Miguel A. Ruggeri e Irvando Luiz para o Carnaval de 1960.

“Está faltando carne/Está faltando pão/Criança sem escola/É triste a educação/A queixa deste povo/Não encontra eco/E foi eleito o Cacareco//Cacareco o que é?//É falta de arroz/É falta de feijão/É falta de vergonha/ Não tem mais solução/O povo está cansado/De bancar o boneco/E desgostoso/Votou no Cacareco”. Troque a carne pelo transporte, o pão pela justiça, o arroz pela segurança e o feijão pela saúde e você verá que no final pouca coisa mudou em nossa política em mais de cinquenta anos.

Começam a surgir o movimento suprapartidário “Brasil contra a corrupção” que pede o retorno do nosso país à política sadia com ética para que a riqueza de nosso país seja mais bem aproveitada. É preciso exigir dos políticos ou candidatos à política o seu “Curriculum Vitae”, uma descrição da sua vida passada. Só assim cacos e cacarecos não conseguirão chegar às esferas de decisão do poder.

A solidão a que os políticos relegam seus eleitores após as eleições, com o beneplácito da legislação, é algo estarrecedor em nosso país. O eleitor não consegue nem ao menos se lembrar em que votou, tal é a enorme distância que os agora eleitos se posicionam de seus eleitores. “Na democracia, o poder emana do povo. Pelo povo é concedido e por ele é retirado.” Precisamos modificar urgentemente o arcabouço de leis que orientam a nossa política.

O povo brasileiro aguarda há anos uma reforma que modernize a política, as formas de tributação e a previdência social, mas nada sensibiliza os nossos representantes, por isso é preciso tomar cuidado, observar bem os currículos dos postulantes aos cargos públicos para que o sufrágio seja consciente e que não elejamos nenhum Cacareco em protesto ao que temos no momento.

Precisamos de representantes que tenham consciência de sua representatividade e que além do seu progresso pessoal tenham em mente que são pagos pelos nossos impostos, e que o progresso do país e o atendimento às necessidades dos cidadãos são mais importantes que suas vaidades pessoais e seu desejo pelo poder.

Prof. José R. Camacho (PhD)
UFU – Engenharia Elétrica
Publicado na Coluna Ponto de Vista
Jornal Correio de Uberlândia
Data: 07/11/2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A universidade e o mercado.

Como bem sabemos uma universidade completa vive sobre o tripé ensino, pesquisa e extensão. O ensino recebe mais ou menos estudantes dependendo da situação de mercado, se uma determinada profissão necessita de mais ou menos profissionais, e na medida em que a remuneração pelos serviços sobe ou desce, aumenta ou diminui o interesse por determinadas profissões. Isto pode ser observado com muita clareza dentro das universidades. A desvalorização de uma profissão em geral, pela piora na recompensa financeira, sempre atrai os menos qualificados para desempenhá-la.

Dentro deste tripé alguns aspectos podem ser discutidos alguns antagônicos e outros até perversos. O perverso da afirmação acima é que no momento que o mercado não necessita destes profissionais seu valor decresce e diminui também o interesse pela profissão e numero de cidadãos com esta formação cai drasticamente. Acontece que são passados pelo menos vinte anos para formar um bom profissional com curso superior, se a profissão não atrai interesse hoje, pode atrair amanhã, e haverá um vazio de profissionais qualificados para desempenhar a função.

Neste cenário e pela busca da eficiência e economia a universidade tende a relegar à obsolescência os cursos onde não há demanda por vagas, e o seu futuro passa a ser a extinção. Será este mesmo o caminho? Será que não existe profissão em que se busca desesperadamente por profissionais qualificados e estes continuam sendo mal remunerados e desvalorizados pelo mercado? Eu poderia citar aqui pelo menos meia dúzia de profissões em que acontece isso hoje em nosso país. Irão as universidades se curvar aos interesses imediatos do mercado e liquidar com os cursos que formam estes profissionais?

O mesmo acontece com a pesquisa e a extensão. Irá desaparecer a pesquisa sem patrocínio? Iremos todos trabalhar com vistas ao que nos pedem hoje, ou com a perspectiva do que acontecerá num horizonte de cinco, dez, e até quinze anos? É preciso um mapeamento das necessidades futuras para que possamos trabalhar com as modificações no preparo dos profissionais que treinamos hoje para estarem no ápice de suas carreiras em vinte e cinco anos.

Este mesmo raciocínio vale para toda formação profissional, não só para as universidades como para todas as carreiras técnicas de nível médio. É preciso adaptar as profissões para o futuro que se avizinha; um mundo em que a tecnologia estraçalha o contato entre pessoas, pois hoje existem mais e mais pessoas que trabalham sozinhas e em casa, é preciso que os novos profissionais estejam preparados para o empreendedorismo de ser uma empresa de empregado único.


Devido ao desprestígio de certas profissões certos cursos universitários são legados ao ostracismo, sobram vagas, e a baixa procura faz com que a busca pela eficiência entre em ação e acabe por desativá-los e eles desaparecem de nossas universidades. Com o ensino e o conhecimento sendo cada vez mais um produto a vendido como qualquer um daqueles itens de consumo em prateleira de supermercado, certas profissões tendem ao desaparecimento? Não seria mais correto mantê-las adaptando-as aos novos tempos?

A discussão está em aberto. Desde o que se fazer com as vagas ociosas, que por diversas razões sobram nas universidades públicas, até em que ritmo modernizar e abandonar as virtudes das práticas do passado. Muito ainda deve ser discutido por especialistas em educação para que o ritmo de modernização não ultrapasse os limites da ética e da valorização do ser humano.