Tomamos como algo garantido - e nem
refletimos - como é prazeroso ter um corpo sadio e a independência que esta
saúde nos proporciona. Podemos praticar esportes e fazer qualquer atividade
corporal sem nenhum problema. É bom refletirmos sobre esta nossa capacidade e,
ao mesmo tempo, nos lembrarmos daqueles que vivem a expensas de uma máquina
para sobreviver, às vezes com muitas limitações físicas.
Existe no Brasil hoje mais de 90.000
pacientes em tratamento por diálise. Como neste número não foram computados
pacientes de algumas clínicas que só atendem particulares ou convênios médicos
também particulares, é provável que haja mais de 100.000 pacientes nessa
situação. Deste total, cerca de 80% são atendidos pelo SUS (Sistema Único da
Saúde). (Alguns convênios médicos ‘dão um jeitinho’ de negar atendimento a seus
cooperados, que acabam, quando precisam, sendo atendidos pelo SUS, inchando
ainda mais o sistema público.)
As clínicas de diálise são
regulamentadas por diversas portarias da ANVISA/Ministério da Saúde, sendo a
mais importante a RDC 154, de junho de 2004. Esta portaria, ainda vigente,
estabelece obrigatoriedades de fundo social, que oneram sobremaneira as
clínicas, mesmo sem estarem diretamente ligadas à atividade das clínicas - e
que não são compensadas financeiramente pelo SUS. Por exemplo:
·
- Até
poucas semanas atrás, as clínicas eram obrigadas a fornecer suporte alimentar
aos pacientes em diálise, sem nada receber por isto; recentemente, uma liminar
judicial tirou esta obrigatoriedade das clínicas, por ser absurda. (No entanto,
a maioria das clínicas contínua arcando com esta despesa extra por questões
humanitárias.)
- A
RDC 154 sobrecarrega as clínicas com a responsabilidade de internação de seus
pacientes e pelo seu transporte, quando necessário, para receberem o tratamento
dialítico, quando estes não forem fornecidos pelo serviço público. Como quase
sempre os serviços públicos estão sobrecarregados, com frequência o custo de
internações, inclusive em UTIs, recai sobre a clínica!
·
- Medicamentos
não padronizados pelo serviço público - e que são frequentemente necessários ao
tratamento de pacientes renais - acabam ficando à custa das clínicas, já que o
SUS não paga por eles.
·
- É
preciso ressaltar que os equipamentos necessários para hemodiálise são
importados, pois o Brasil não fabrica similares, assim como a maioria de seus
insumos. E as clínicas de diálise, por serem particulares, não são beneficiadas
com nenhum tipo de incentivo fiscal, seja para aquisição ou manutenção de
equipamentos, mesmo prestando um serviço
de saúde pública, que deveria ser, evidentemente, da competência de hospitais
públicos ou beneficentes. Mas, por causa da incapacidade de estes suprirem a
demanda, repassam esta responsabilidade para clínicas privadas.
·
- A
remuneração do SUS pelos serviços médicos prestados chega a ser ridícula em
alguns casos e tem sido assim por mais de 20 anos; portanto, não é culpa
exclusiva do governo atual, que apenas mantém o status quo. Os procedimentos, além de mal pagos, são às vezes
repassados pelo SUS com atrasos que chegam a 90 (noventa) dias com certa
frequência. Evidentemente, nunca são corrigidos monetariamente. Alguns exemplos
da remuneração de serviços pelo SUS e de seus custos reais estão no quadro
abaixo:
PROCEDIMENTO
|
REMUNERAÇÃO
SUS
|
CUSTO
(médio)
|
Consulta
médica
|
R$ 10,00
(dez reais)
|
|
Sessão
de hemodiálise
|
R$
179,03
|
R$
140,00
|
Confecção
de fístula AV
|
R$
246,76
|
R$
600,00
|
Implante
cateter DL
|
R$
158,81
|
R$
180,00
|
Impl.
cateter Permcath
|
R$
539,90
|
R$
1.400,00
|
Implante
cateter PD
|
R$
203,98
|
R$
2.500,00
|
DPA –
mensal
|
R$
2.511,69
|
R$
2.550,15
|
DPAC –
mensal
|
R$ 1.960,44
|
R$
1.915,15
|
...
|
|
|
DPA = diálise peritoneal automática
DPAC = diálise peritoneal ambulatorial contínua
Considerando a remuneração acima, se uma clínica mantiver 20 pacientes em
DPA + 20 pacientes em DPAC, seu lucro líquido ao fim de 1 mês será de exatos R$
96,60 (noventa e seis reais e sessenta centavos). Isto se a clínica não pagar
honorários aos médicos e enfermeiras que cuidam dos pacientes e sem levar em
conta, ainda, o custo de medicamentos que são necessários no tratamento ambulatorial
de complicações da diálise peritoneal, como peritonites bacterianas – e que,
mais uma vez, não são compensados pelo SUS.
É bom filosofarmos um pouco sobre aqueles que vivem dependentes dos
tratamentos periódicos da diálise. Circula a notícia de que estes pacientes
passam por momentos de incerteza, uma vez que o dinheiro pago pelo SUS às
clínicas é insuficiente para cobrir os custos operacionais – e, de fato,
algumas clínicas já fecharam as portas e outras estão em situação pré-falimentar,
por dívidas com fornecedores, com bancos e com a receita federal.
Em fevereiro deste ano, depois de um atraso de cerca de 90 dias no
pagamento pelo SUS às clínicas, houve uma manifestação em nível nacional de
protesto, que resultou em uma reunião extraordinária no Ministério da Saúde
(MS). Participaram da reunião o Coordenador de Média e Alta Complexidade do MS,
o presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), da Associação
Brasileira dos Serviços de Diálise e Transplante (ABCDT) e a coordenadora do
foro nacional de nefrologia pela internet, Nefroforum, Dra. Carmen Tzanno
Martins. Depois de muita argumentação, foi, a duras penas, concedido um aumento
de 5% (cinco por cento) na remuneração do SUS para a hemodiálise, que passou de
R$ 170,50 para R$ 179,03 a sessão. Foi um aumento irrisório, inferior,
portanto, à inflação oficial de 2012, sendo que as remunerações dos
procedimentos acessórios da hemodiálise (fístula, cateter etc.) e da diálise
peritoneal permaneceram os mesmos. Mas, o Dr. Fogolin pediu aos participantes
da reunião que tivessem paciência, pois “em junho próximo haveria um aumento
significativo” de todos os procedimentos. O fato é que junho já chegou, não
houve aumento nenhum e não se fala mais nisso! Mais uma promessa vã, infelizmente
tão comum em coordenadores de postos chaves no governo.
O pagamento às clínicas sai do Fundo Nacional da Saúde, do Ministério da
Saúde. Isto é, não pertence ao orçamento dos municípios. No entanto, o
pagamento é depositado na conta bancária das prefeituras, quando o regime das
mesmas é de gestão plena da saúde. Quando José Serra foi ministro da saúde, no
governo de Fernando Henrique Cardoso, foi editada uma lei que obriga as
prefeituras a repassar o dinheiro às clínicas no prazo máximo de 05 (cinco)
dias úteis a partir do dia do depósito. No entanto, o que vem acontecendo na
maioria das cidades é que o dinheiro fica retido ou é desviado para outros fins
(mesmo sendo dinheiro ‘carimbado’ para as clínicas) por períodos que chegam, em
casos extremos, a até 3 meses! É o que aconteceu recentemente em Ituiutaba, o
que motivou paralisação da única clínica de diálise daquela cidade por 02
(dois) dias, o que teve repercussão na mídia nacional.
Recentemente, o SUS tem encaminhado cartas aos pacientes em tratamento
por hemodiálise revelando um valor que seria correspondente ao custeio de seu
tratamento mensal nas clínicas. Com isto, pretende convencer os pacientes que
as clínicas são muito bem remuneradas. Só que o valor que revelam corresponde a
03 (três) meses de tratamento – e não a 01 (um) mês apenas, como parece na
correspondência. Trata-se de uma propaganda de baixíssimo nível, imoral,
antiética e mentirosa; basta dividir o valor por 3 (três) para saber quanto as
clínicas recebem por mês e por paciente em hemodiálise.
A vida do paciente renal crônico só é mantida se ele se submete a
tratamento dialítico ou a transplante renal. Se, por um lado, é incômodo ficar
3 vezes por semana ligado a ua máquina para filtrar seu sangue para remover
substâncias nocivas que intoxicam seu organismo pela falência dos rins, por
outro lado é altamente confortador saber que este tratamento o mantém vivo e,
muitas vezes, com capacidade laborativa. Daí o receio que ele, paciente renal,
tem quando fica ciente da situação crítica de gestão financeira de muitas
clínicas de diálise, situação esta que pode resultar em desativação por
completo de sua atividade.
É preciso que as autoridades responsáveis pela saúde pública do Brasil
levem, finalmente, a sério a situação caótica em que muitas clínicas de diálise
dependentes do SUS se encontram. A interrupção da oferta desta modalidade de
tratamento aos pacientes renais crônicos significa a condenação à morte de
quase a totalidade deles em poucos dias ou semanas. É absolutamente necessário que sejam
corrigidas as distorções tanto da remuneração do SUS quanto do comportamento
das prefeituras para com as clínicas de diálise com urgência – e a população
espera que estas providências sejam tomadas JÁ.
Prof. José Roberto Camacho
UFU – Engenharia Elétrica
e.mail: jrcamacho@ufu.br
fone: 3239.4734